Ao farol, de Virginia Woolf

 

"Pode ser que você acorde e descubra que o sol está brilhando e os pássaros estão cantando."

Ler Virginia Woolf é sempre um desafio. É uma experiência de desprendimento com aquilo que sempre nos preocupamos em primeiro lugar quando lemos qualquer livro, o enredo. E já adianto aqui que o enredo é secundário, no mínimo, nessa história (e arrisco dizer que em qualquer livro da Virginia). O que realmente é brilhante na obra dela são as reflexões, os pensamentos dos personagens,  a  forma como os sentimentos deles transbordam suas mentes e encharcam o papel. O enredo pouco importa nesse processo, ele é pano de fundo dessa pintura.

Inclusive, gosto de pensar nesse livro como uma pintura impressionista. O tipo de pintura que, de longe, é coesa e interpretável, você é capaz de enxergar um farol, uma família com 8 filhos, amizades entre sujeitos  ricos e suas conversas que conduzem a história. Assim como você é capaz de enxergar, de longe, um farol, uma praia, barcos e uma cidade em uma pintura de Monet.

Lighthouse at the Hospice, Claude Monet (1864)

Mas, quando você de fato começa a ler e começa a adentrar a história, como se você fosse parte dessa dinâmica social e familiar, você começa a perceber um emaranhamento de reflexões, sentimentos confusos e dinâmicas de relacionamentos complexas, você percebe como o trabalho literário não é simples, reto, direto ao ponto. Dentro do livro, o que constrói a trama é a delicadeza da escrita, o trabalho minucioso de perfurar a cabeça dos personagens e expor aquilo que se passa em suas mentes, em como eles constroem a realidade ao seu redor, em como eles se fazem compositores do ambiente onde estão.

É como observar, bem de pertinho, a pintura impressionista. É como deter-se nos detalhes difusos, estranhos, que parecem que não representam nada no grande esquema da obra, mas são justamente cada pedacinho de sua composição. É como observar atentamente cada pincelada, cada mistura de cores, cada componente pequenino que constrói meticulosamente uma obra completa.



"Qual era o sentido da vida? Isso era tudo - uma pergunta simples; uma pergunta que tende a se tornar mais importante para a pessoa ao longo dos  anos. A grande revelação nunca viera. A grande revelação talvez nunca viesse. Em vez disso, havia pequenos milagres diários, iluminações, fósforos riscados inesperadamente no escuro."

Ao farol conta a história de Sra. Ramsay, mãe de 8 filhos, casada com o Sr. Ramsay (inspirado no pai de Virginia Woolf), que é um homem consideravelmente cruel, rígido, que não permite que as pessoas à sua volta sejam plenamente quem querem ser. Além disso, acompanhamos Lily Briscoe, uma jovem pintora (e seu desafio tem sido pintar o ambiente de maneira coerente com seus desejos) que não deseja casar-se e cujos pensamentos giram em torno, grandemente, de Sra. Ramsay. Lily expressa um misto de admiração, raiva, indignação com essa figura, que tanto representa o papel da mulher nesse período histórico, mas tanto também foge deste papel. A história parte do desejo de um dos filhos de Sra. Ramsay de visitar o farol, e seu pai negando, dizendo que o tempo no dia seguinte será ruim para a visita.

Mas, como eu disse, a história não é sobre o enredo. Então não vou me estender aqui falando sobre ele.

Este livro é sobre luto, acima de tudo. O que conduz a trama, sem dúvida, é o sentimento de luto que domina os personagens à medida que a história progride. O luto aqui é como uma onda no mar, que ora afoga os banhistas violentamente, ora retorna, como uma ressaca branda, até bonita, por vezes.

"Todos nós podíamos sentar e chorar, era a impressão dela. Mas ela não sabia para quê."

Esse livro pode não ser para todo mundo. É uma leitura densa, com fluxo de pensamento, sem uma linha unificada que conduz a trama. Ao contrário, é uma obra confusa, permeada por digressões, pensamentos difusos, reflexões sobre a vida que te pegam desprevenido. É uma obra para ler sem pretensões de entender cada detalhe. Mas não te deixa sair ileso, te contamina com pensamentos que você nunca conseguiu formular, mas ali estão eles, claros como o dia, na sua frente. E, no momento em que eles acendem sua luz na sua mente, é impossível apagá-los.

"Ali, sentada no mundo, pensou ela, pois não conseguia se libertar da sensação de que tudo naquela manhã estava acontecendo pela primeira vez, talvez pela última - como um viajante sabe que tem que olhar pela janela naquele momento, por mais que se sinta sonolento, pois nunca mais verá aquela cidadede novo, nem aquela carroça, ou aquela camponesa trabalhando."

Sempre que leio Virginia Woolf, termino o livro não sendo a mesma que era antes. Ela tem um talento excepcional em verbalizar determinadas reflexões que parecem tão nebulosas que é impossível palavreá-las. Recomendo essa leitura para quem aprecia mais as pinceladas do que a obra completa.

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